quinta-feira, 29 de maio de 2008

Quando o humor caminha na contramão

Maristela Orlowski

O trânsito da Capital paulista serviu, nos últimos dias, de pano de fundo para outro cenário não menos problemático: a saúde mental de alguns motoristas. Trafegar na contramão por avenidas e rodovias tornou-se algo perigosamente recorrente e serviu de gatilho para que se abrisse o debate sobre um problema que ainda é mal interpretado pela maioria das pessoas: o transtorno bipolar, caracterizado pela oscilação drástica e repentina do humor. Aliás, essa foi a patologia alegada pela família de Fabíola Cutolo Silveira para explicar os motivos que levaram a bancária de 27 anos a trafegar por 5,5 quilômetros na contramão pela avenida 23 de Maio, na madrugada de terça-feira.

Diferentemente dos altos e baixos normais por que passam todas as pessoas, os sintomas da doença são graves e podem provocar danos à vida profissional, passando pela amorosa e familiar. Atitudes extremas, como suicídio, são mais comuns do que se imagina. Mas, a boa notícia é que o problema – cuja origem tem uma pitada genética – pode ser tratado, permitindo aos portadores um comportamento normal e uma vida produtiva.

Conforme explica Mateus José Abdalla Diniz, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o transtorno bipolar (ou psicose maníaco-depressiva) é uma doença caracterizada pela alternância de duas fases bem distintas no comportamento, de depressão e de euforia extrema, que podem apresentar diferentes intensidades. Na fase de mania, o indivíduo sente-se exaltado, impulsivo, tem muita energia e dorme pouco.

“Ele também apresenta sintomas psicóticos (como alucinações), persecutórios (mania de perseguição) e de grandeza. Acha que pode tudo.” Aliás, segundo ressalta o especialista, os episódios de depressão são muito mais corriqueiros do que os momentos de euforia. “Os períodos de exaltação respondem por menos de 10% de todo o histórico da doença”, acrescenta Diniz.

O transtorno bipolar é uma doença psiquiátrica muito séria e possui incidência de suicídio superior à observada em quadros de depressão. Diniz conta que metade dos pacientes bipolares tem histórico de, pelo menos, uma tentativa de suicídio ao longo da vida, e perto de 18% chegam, realmente, a se matar.

Mas o problema é que a maioria das pessoas que tem o problema não é diagnosticada como deveria. De acordo com o Teng Chui Tung, psiquiatra da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e autor do livro Enigma Bipolar, o transtorno bipolar é frequentemente confundido com depressão pura, déficit de atenção ou hiperatividade. “Além disso, o diagnóstico é tardio e o tratamento, incompleto, já que é preciso fazer um acompanhamento psicoterápico do bipolar", explica.

Para o psiquiatra, a grande dificuldade é reconhecer as fases altas do transtorno, quando, geralmente, a pessoa não percebe que tem problema e acha que está tudo bem. Quando procura ajuda na fase depressiva, ela só fala sobre os baixos, e acaba sendo diagnosticada erroneamente como depressiva unilateral. “O uso de antidepressivos, nesses casos, pode instabilizar ainda mais a doença”, diz Tung. Por isso, um diagnóstico do transtorno precisa ser feito com base em sintomas, evolução da doença e, quando disponível, no histórico familiar.

“Não há cura para o transtorno bipolar, mas o paciente pode viver melhor com a doença se ela for diagnosticada corretamente e entender como o distúrbio funciona. É uma tarefa árdua, tendo em vista a complexidade que envolve uma doença tão mutável, pois cada indivíduo apresenta uma manifestação diferente. Mas buscar informação é um passo fundamental”, conclui Tung.

Muitas pessoas com transtorno bipolar, até mesmo aquelas com suas formas mais graves, podem obter estabilização considerável nas oscilações de humor e dos sintomas relacionados com tratamento apropriado (que deve ser prolongado), praticamente para o resto da vida. Uma estratégia que combine medicação (à base de estabilizadores do humor, neurolépticos e antipsicóticos – e tratamento psicossocial é ótimo para o controle do transtorno ao longo do tempo.

Outras medicações são adicionadas quando necessário, por períodos mais curtos, para tratar episódios de mania e de depressão. O risco de recaída ou de evolução para depressão existe e é preciso estar atento ao uso de medicamentos antidepressivos que, embora eficazes, podem precipitar uma virada indesejável para a euforia ou acelerar a freqüência das crises.

O transtorno bipolar não escolhe idade. Crianças, adolescentes e adultos podem apresentar a doença, que tende a afetar filhos de pais portadores do problema. Ao contrário de muitos adultos com transtorno bipolar, cujos episódios tendem a ser mais definidos, crianças e adolescentes apresentam oscilações muito rápidas do humor, entre depressão e mania, até no mesmo dia.


Reprodução Diário do Comércio - SP

Nenhum comentário: